Bom, pessoal, o Reynolds tem
publicado pela Conrad um livrinho muito interessante chamado "Beijar o
Céu", onde elearticular vários gêneros musicais com a teoria dos
filósofos da diferença Gilles Deleuze & Felix Guattari, e foi
responsável pelo termo "pós-punk"... a entrevista foi publicada
parcialmente em 20 de agosto deste ano... boa leitura.
sandroca
Entrevista de André Barcinski [Folha de S.Paulo e UOL] com o crítico musical inglês Simon Reynolds sobre Rock & Cultura Pop
No livro,
você diz que tem um filho pequeno. Ele é fã de música? Como você
compara a sua própria experiência, crescendo como um fã de música nos
anos 70 e 80, à experiência do seu filho?
Kieran
tem 11 anos e não parece muito interessado em música. Possivelmente,
por ter um pai que é crítico de música e que fica tocando música o tempo
todo e de todos os tipos, muitas vezes música estranha. É como se
música fosse o “meu” negócio e ele estivesse em busca do negócio “dele’.
Kiean
adora videogames, diferentemente de mim, que nunca fui interessado
nisso. E ele também adora qualquer coisa relacionada a computadores –
e-mail, Youtube, Ebay. Ele cresceu como parte da geração conectada. Este
é seu mundo.
Acredito
que, para a geração dele, música é legal e divertido, mas não tem a
mesma importância que teve para a minha geração ou para a geração que
sucedeu a minha, a juventude dos anos 90.
Nós
realmente víamos a música como a principal arena cultural, era o que
nos explicava a nós mesmos e parecia se conectar a todas as outras áreas
da cultura e política. Se você, como eu, era ligado em punk e pós-punk,
então lia certo tipo de livros, via certo tipo de filmes, tinha
interesse em teoria crítica e outras coisas do tipo. Acho que a música
foi relegada a ser apenas uma pequena parte do horizonte cultural, e não
a parte principal.
Minha
filha Tasmin tem 5 anos e ama música. Ela adora dançar, tem um bom
senso rítmico e é capaz de passos incríveis, algo no meio do caminho
entre o break e artes marciais. Ela tem artistas favoritos, como Pink,
Justin Bieber, Ke$ha e Katy Perry. Basicamente, ela gosta de qualquer
coisa que toque no rádio e que pareça uma versão pop do Techno e da
house music que eu dançava nos anos 90. Ela curte melodia e ritmo,
basicamente.
Você acha que a facilidade em baixar música tem, de certa maneira, desvalorizado a música?
Pessoas
de tendência liberal ou de esquerda muitas vezes têm um reflexo
anticapitalista de dizer: “Que bom que a música é de graça agora, que
não está apenas enriquecendo corporações”. Mas sou da opinião que isso
não tem funcionado muito bem para a música.
Claramente,
é um desastre para os artistas e para a indústria. Mas também para
ouvintes e fãs. Veja bem: quando a música custava dinheiro e vinha numa
forma sólida, em que, para consegui-la, você tinha de ir a uma loja, e
isso envolvia tempo e dinheiro, as pessoas davam mais valor a ela.
A
equação é simples: se você gastou dinheiro num bem cultural, seja um
livro, revista, disco, etc., você vai gastar tempo tentando extrair o
máximo dele. Se você gasta dinheiro com um CD, vai prestar atenção nele
quando tocá-lo, e vai tocá-lo mais vezes. Se você obtém um CD de graça,
na forma de downloads, você fica mais propenso a ouvir poucas vezes e de
uma forma mais distraída. Você vai ouvir a música enquanto faz outras
coisas no computador (chamam a isso de “síndrome de atenção parcial”), e
você muitas vezes nem vai ouvir o disco todo.
Além
disso, se você vive baixando muita música, como as pessoas tendem a
fazer quando conseguem música de graça, é matematicamente mais provável
que você ouça cada canção menos vezes. E muitos discos só começam a se
revelar totalmente depois de repetidas audições.
Para
responder à sua pergunta: sim, eu diria que a cultura digital se
fundamenta na facilidade, e que a facilidade de acesso e o custo mínimo
de aquisição têm levado a uma depreciação no valor da música e à
degradação da experiência audiófila.
Mesmo
os artistas novos que você elogia no livro – Ariel Pink, por exemplo –
fizeram suas carreiras reinterpretando o passado. Você consegue enxergar
algo realmente novo sendo feito hoje em dia?
Sim,
vejo um número razoável de coisas que eu poderia descrever como
relativamente novo ou vagamente inovador. Mas aquelas coisas que, de vez
em quando, surgiam como “Uau! FUTURISTA!”, essas sumiram, são cada vez
mais raras.
Nos
anos 90, havia vários gêneros ou movimentos que pareciam grandes ondas
de inovação que se sustentaram por vários anos, ou por toda a década:
gêneros como jungle, R&B, street rap ou dancehall.
Nos
últimos dez anos, parece que os gêneros se tornaram quase estáticos,
mas, de vez em quando, no meio de tanta coisa banal e mundana, você via o
brilho de algo realmente novo. Em R&B, por exemplo, uma vez ou
outra você via algo realmente extraordinário como “Umbrella”, da
Rihanna, ou “Single Ladies", da Beyoncé.
O
dubstep me parece uma extensão dos anos 90, como um tipo de versão
adulta e lenta de jungle. Mas produz algumas coisas excitantes: o EP
homônimo do Zomby e partes de seu novo álbum, ”Dedication”, que saiu
pelo selo 4AD, as faixas de Cooly G no selo Hyperdub, algumas coisas de
James Blake e Ramadanman.
Na
música eletrônica tem gente fazendo coisas interessantes: Ricardo
Villalobos, Actress, Tobias... Nomes como Oneohtrix, Point Never e
Laurel Halo se inspiram muito no passado – música analógica de
sintetizadores dos anos 70 e 80, New Age, etc., mas é inegável que
fizeram coisas novas.
Uma
das áreas onde, acredito, coisas muito interessantes vêm aparecendo é a
área de manipulação de vozes: texturização digital de vocais,
aceleração e redução de vocais, micro-edição de “samples” de voz. Você
pode ouvir isso em música eletrônica extrema e underground (Burial,
James Blake) e também no gênero witch house (Salem, etc.), e até na
música pop mais comercial (Black Eyed Peas, Ke$ha).
Isso
é excitante, embora, se você pensar bem, pode ser rastreado aos anos 90
e a coisas com vocais sampleados que produtores de house e jungle
fizeram. Sem esquecer Cher e de sua faixa “Believe”, em 1999, com vocal
manipulado via Autotune!
Há
algumas semanas, o Arctic Monkeys colocou na web seu novo álbum para os
fãs ouvirem. Cada faixa tinha um contador, que permitia ver quantas
vezes havia sido ouvida. Mais de 75% das pessoas que ouviram a primeira
música não chegaram à última. Você acha que isso pode ser explicado mais
pelo déficit de atenção do público, ou pelo fim do LP como um formato
de lançamento viável?
Acho
que se refere ao que escrevi sobre a depreciação no valor da música e
os efeitos da cultura digital na capacidade de atenção do público. O
problema de ouvir música via computador ou Iphone conectado à Internet é
que o mesmo portal que está conectando você à música é também capaz de,
simultaneamente, conectá-lo a milhões de outras coisas. Então, há uma
tentação irresistível a clicar em outra coisa e fazer mais de uma coisa
ao mesmo tempo – checar e-mails, baixar mais música, etc. Então você
raramente está imerso apenas na música.
Publicações
na web são criadas para desestimular o leitor a terminar de ler
qualquer artigo, porque elas têm uma série de links coloridos e que
chamam a atenção. As publicações não querem que você termine o artigo,
porque querem o maior número possível de cliques. Quanto mais você pular
de uma parte a outra, melhor para eles.
Você
acredita que a mesma visão que seu livro traz da música pode ser
estendida ao cinema? Me parece que, desde o surgimento de Tarantino,
Robert Rodriguez e outros diretores criados à base de filmes velhos em
vídeo e TV a cabo, o cinema tem se tornado cada vez mais uma colcha de
retalhos de outros filmes.
Não
me parece tão crônico em cinema quanto em música. Você está certo sobre
Tarantino, ele é o exemplo óbvio de um fenômeno que detalho em meu
livro, que é o do “curador-criador”. E se no rock existem as “bandas de
colecionadores de discos”, com músicos que trabalharam em lojas de
discos (como Ariel Pink, por exemplo), o mesmo aconteceu com Tarantino,
que foi balconista de uma locadora de filmes. Foi ali que ele criou todo
seu conhecimento sobre filmes e sistematicamente dissecou a história do
cinema. Então faz sentido que seus filmes sejam baseados em vários
estilos e repletos de piadas e sacadas com filmes antigos. O mesmo
ocorre com Jim Jarmusch.
Tenho
uma filha de três anos. Alguns dias atrás, montei minha velha vitrola e
toquei alguns discos para ela. Foi fascinante perceber a reação de
alguém que, nascida na era digital, teve, pela primeira vez, a chance de
ver uma agulha tocando num pedaço de plástico e produzindo som. Você
acha que esse aspecto tátil da música, tanto no ouvir música quanto na
produção, está mudando a maneira como a música é percebida?
É
claro que existe algo de muito estranho na música pop moderna, em que
se simula a energia e o som de música tocada ao vivo, mas onde toda a
integridade da performance foi desvirtuada pelo uso de elementos de
copy/paste que permitem mover a música e torná-la “perfeita”. Você
consegue perceber, quase subliminarmente, que o que você está ouvindo
não é real.
Não
é de hoje que gravações de rock têm sido melhoradas por “overdubs” e
erros têm sido consertados por edições e substituições, mas hoje vivemos
a era em que os sons se tornaram apenas uma massa que pode ser
processada ou mudada a gosto.
De
uma certa forma, é exatamente como eu imaginava a música com o
pós-rock, mas, em outro nível, tem uma certa fraudulência no ar, já que
simula o som de uma banda tocando ao vivo. Depois, quando você adiciona
tratamentos como compressão e AutoTune, o resultado é algo realmente
horrível de escutar.
Em
gêneros como hip hop, R&B e dance music, isso não parece importar
muito, já que são gêneros antinaturais, dependentes da tecnologia e onde
não há sequer a intenção de simular “pessoas tocando juntas num
estúdio”.
Como autor e alguém que depende de seus livros e artigos para sobreviver, como você vê a troca de arquivos na Internet?
Bom,
é ótimo poder achar aquele disco raro que eu sempre quis. Mas, de
maneira geral, a troca de arquivos tem sido muito ruim para a minha
apreciação de música. Para uma pessoa como eu, que cresceu numa época em
que música custava dinheiro, ter música de graça na internet é como
ganhar a chave da maior loja de discos do mundo. O problema é que nosso
tempo não é infinito.
Eu
adorei seu livro, mas tenho de confessor que me deixou triste, porque o
futuro não parece muito promissor. Como a experiência de escrevê-lo te
afetou?
Quando
comecei, estava perplexo e ansioso pelo estado da música e, embora eu
tenha encontrado muitas explicações no caminho, por meio de minha
pesquisa e pensamentos sobre o assunto, terminei exatamente como
comecei: perplexo e ansioso.
Concluí
que há muita coisa legal para ouvir, mas que a maioria envolve, de
certa forma, a reinterpretação do passado. Não tenho ouvido coisas que,
na época, me pareceram tão novas e radicais quanto “Remain in Light”, do
Talking Heads, por exemplo, um disco que, especialmente no segundo
lado, parece conter em cada canção uma nova direção para a música.
Tenho
acompanhado o lado eletrônico-techno-rave da música, mas a primeira
década do século 21 parece ter atingido um ponto em que as pessoas estão
experimentando com formas já conhecidas ou criando híbridos ao combinar
coisas diferentes da própria história da música eletrônica. Então, tem
sido difícil encontrar, hoje, a mesma sensação de novidade absoluta e
energia que senti quando ouvi jungle, gabba ou techno minimal nos anos
90.
Eu
diria que o futuro não parece muito promissor, embora, muitas vezes,
períodos de estagnação sejam prólogos para algum tipo de erupção
cultural.
Estou
cautelosamente otimista sobre a nova geração de músicos que só
conheceram a Internet. No mínimo, estou curioso sobre o que vai
acontecer daqui por diante. Me parece que vivemos uma época
interessante. A velha maneira analógica de fazer as coisas – a forma
como a cultura funcionava – entrou em colapso, mas acho que alguma coisa
vai surgir dessas ruínas.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir"Nos últimos dez anos, parece que os gêneros se tornaram quase estáticos, mas, de vez em quando, no meio de tanta coisa banal e mundana, você via o brilho de algo realmente novo. Em R&B, por exemplo, uma vez ou outra você via algo realmente extraordinário como “Umbrella”, da Rihanna, ou “Single Ladies", da Beyoncé."
ResponderExcluire ainda elogia pop-lixo e indie-lixo
PQP... tem certeza que esse cara é crítico musical?