segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Entrevista com Simon Reynolds

Bom, pessoal, o Reynolds tem publicado pela Conrad um livrinho muito interessante chamado "Beijar o Céu", onde elearticular vários gêneros musicais com a teoria dos filósofos da diferença Gilles Deleuze & Felix Guattari, e foi responsável pelo termo "pós-punk"... a entrevista foi publicada parcialmente em 20 de agosto deste ano... boa leitura.

sandroca


Entrevista de André Barcinski [Folha de S.Paulo e UOL] com o crítico musical inglês Simon Reynolds sobre Rock & Cultura Pop


No livro, você diz que tem um filho pequeno. Ele é fã de música? Como você compara a sua própria experiência, crescendo como um fã de música nos anos 70 e 80, à experiência do seu filho?

Kieran tem 11 anos e não parece muito interessado em música. Possivelmente, por ter um pai que é crítico de música e que fica tocando música o tempo todo e de todos os tipos, muitas vezes música estranha. É como se música fosse o “meu” negócio e ele estivesse em busca do negócio “dele’.

Kiean adora videogames, diferentemente de mim, que nunca fui interessado nisso. E ele também adora qualquer coisa relacionada a computadores – e-mail, Youtube, Ebay. Ele cresceu como parte da geração conectada. Este é seu mundo.

Acredito que, para a geração dele, música é legal e divertido, mas não tem a mesma importância que teve para a minha geração ou para a geração que sucedeu a minha, a juventude dos anos 90.

Nós realmente víamos a música como a principal arena cultural, era o que nos explicava a nós mesmos e parecia se conectar a todas as outras áreas da cultura e política. Se você, como eu, era ligado em punk e pós-punk, então lia certo tipo de livros, via certo tipo de filmes, tinha interesse em teoria crítica e outras coisas do tipo. Acho que a música foi relegada a ser apenas uma pequena parte do horizonte cultural, e não a parte principal.

Minha filha Tasmin tem 5 anos e ama música. Ela adora dançar, tem um bom senso rítmico e é capaz de passos incríveis, algo no meio do caminho entre o break e artes marciais. Ela tem artistas favoritos, como Pink, Justin Bieber, Ke$ha e Katy Perry. Basicamente, ela gosta de qualquer coisa que toque no rádio e que pareça uma versão pop do Techno e da house music que eu dançava nos anos 90. Ela curte melodia e ritmo, basicamente.


Você acha que a facilidade em baixar música tem, de certa maneira, desvalorizado a música?

Pessoas de tendência liberal ou de esquerda muitas vezes têm um reflexo anticapitalista de dizer: “Que bom que a música é de graça agora, que não está apenas enriquecendo corporações”. Mas sou da opinião que isso não tem funcionado muito bem para a música.

Claramente, é um desastre para os artistas e para a indústria. Mas também para ouvintes e fãs. Veja bem: quando a música custava dinheiro e vinha numa forma sólida, em que, para consegui-la, você tinha de ir a uma loja, e isso envolvia tempo e dinheiro, as pessoas davam mais valor a ela.

A equação é simples: se você gastou dinheiro num bem cultural, seja um livro, revista, disco, etc., você vai gastar tempo tentando extrair o máximo dele. Se você gasta dinheiro com um CD, vai prestar atenção nele quando tocá-lo, e vai tocá-lo mais vezes. Se você obtém um CD de graça, na forma de downloads, você fica mais propenso a ouvir poucas vezes e de uma forma mais distraída. Você vai ouvir a música enquanto faz outras coisas no computador (chamam a isso de “síndrome de atenção parcial”), e você muitas vezes nem vai ouvir o disco todo.

Além disso, se você vive baixando muita música, como as pessoas tendem a fazer quando conseguem música de graça, é matematicamente mais provável que você ouça cada canção menos vezes. E muitos discos só começam a se revelar totalmente depois de repetidas audições.

Para responder à sua pergunta: sim, eu diria que a cultura digital se fundamenta na facilidade, e que a facilidade de acesso e o custo mínimo de aquisição têm levado a uma depreciação no valor da música e à degradação da experiência audiófila.

Mesmo os artistas novos que você elogia no livro – Ariel Pink, por exemplo – fizeram suas carreiras reinterpretando o passado. Você consegue enxergar algo realmente novo sendo feito hoje em dia?

Sim, vejo um número razoável de coisas que eu poderia descrever como relativamente novo ou vagamente inovador. Mas aquelas coisas que, de vez em quando, surgiam como “Uau! FUTURISTA!”, essas sumiram, são cada vez mais raras.

Nos anos 90, havia vários gêneros ou movimentos que pareciam grandes ondas de inovação que se sustentaram por vários anos, ou por toda a década: gêneros como jungle, R&B, street rap ou dancehall.

Nos últimos dez anos, parece que os gêneros se tornaram quase estáticos, mas, de vez em quando, no meio de tanta coisa banal e mundana, você via o brilho de algo realmente novo. Em R&B, por exemplo, uma vez ou outra você via algo realmente extraordinário como “Umbrella”, da Rihanna, ou “Single Ladies", da Beyoncé.

O dubstep me parece uma extensão dos anos 90, como um tipo de versão adulta e lenta de jungle. Mas produz algumas coisas excitantes: o EP homônimo do Zomby e partes de seu novo álbum, ”Dedication”, que saiu pelo selo 4AD, as faixas de Cooly G no selo Hyperdub, algumas coisas de James Blake e Ramadanman.

Na música eletrônica tem gente fazendo coisas interessantes: Ricardo Villalobos, Actress, Tobias... Nomes como Oneohtrix, Point Never e Laurel Halo se inspiram muito no passado – música analógica de sintetizadores dos anos 70 e 80, New Age, etc., mas é inegável que fizeram coisas novas.

Uma das áreas onde, acredito, coisas muito interessantes vêm aparecendo é a área de manipulação de vozes: texturização digital de vocais, aceleração e redução de vocais, micro-edição de “samples” de voz. Você pode ouvir isso em música eletrônica extrema e underground (Burial, James Blake) e também no gênero witch house (Salem, etc.), e até na música pop mais comercial (Black Eyed Peas, Ke$ha).

Isso é excitante, embora, se você pensar bem, pode ser rastreado aos anos 90 e a coisas com vocais sampleados que produtores de house e jungle fizeram. Sem esquecer Cher e de sua faixa “Believe”, em 1999, com vocal manipulado via Autotune!


Há algumas semanas, o Arctic Monkeys colocou na web seu novo álbum para os fãs ouvirem. Cada faixa tinha um contador, que permitia ver quantas vezes havia sido ouvida. Mais de 75% das pessoas que ouviram a primeira música não chegaram à última. Você acha que isso pode ser explicado mais pelo déficit de atenção do público, ou pelo fim do LP como um formato de lançamento viável?

Acho que se refere ao que escrevi sobre a depreciação no valor da música e os efeitos da cultura digital na capacidade de atenção do público. O problema de ouvir música via computador ou Iphone conectado à Internet é que o mesmo portal que está conectando você à música é também capaz de, simultaneamente, conectá-lo a milhões de outras coisas. Então, há uma tentação irresistível a clicar em outra coisa e fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo – checar e-mails, baixar mais música, etc. Então você raramente está imerso apenas na música.

Publicações na web são criadas para desestimular o leitor a terminar de ler qualquer artigo, porque elas têm uma série de links coloridos e que chamam a atenção. As publicações não querem que você termine o artigo, porque querem o maior número possível de cliques. Quanto mais você pular de uma parte a outra, melhor para eles.

Você acredita que a mesma visão que seu livro traz da música pode ser estendida ao cinema? Me parece que, desde o surgimento de Tarantino, Robert Rodriguez e outros diretores criados à base de filmes velhos em vídeo e TV a cabo, o cinema tem se tornado cada vez mais uma colcha de retalhos de outros filmes.

Não me parece tão crônico em cinema quanto em música. Você está certo sobre Tarantino, ele é o exemplo óbvio de um fenômeno que detalho em meu livro, que é o do “curador-criador”. E se no rock existem as “bandas de colecionadores de discos”, com músicos que trabalharam em lojas de discos (como Ariel Pink, por exemplo), o mesmo aconteceu com Tarantino, que foi balconista de uma locadora de filmes. Foi ali que ele criou todo seu conhecimento sobre filmes e sistematicamente dissecou a história do cinema. Então faz sentido que seus filmes sejam baseados em vários estilos e repletos de piadas e sacadas com filmes antigos. O mesmo ocorre com Jim Jarmusch.

Tenho uma filha de três anos. Alguns dias atrás, montei minha velha vitrola e toquei alguns discos para ela. Foi fascinante perceber a reação de alguém que, nascida na era digital, teve, pela primeira vez, a chance de ver uma agulha tocando num pedaço de plástico e produzindo som. Você acha que esse aspecto tátil da música, tanto no ouvir música quanto na produção, está mudando a maneira como a música é percebida?

É claro que existe algo de muito estranho na música pop moderna, em que se simula a energia e o som de música tocada ao vivo, mas onde toda a integridade da performance foi desvirtuada pelo uso de elementos de copy/paste que permitem mover a música e torná-la “perfeita”. Você consegue perceber, quase subliminarmente, que o que você está ouvindo não é real.
  
Não é de hoje que gravações de rock têm sido melhoradas por “overdubs” e erros têm sido consertados por edições e substituições, mas hoje vivemos a era em que os sons se tornaram apenas uma massa que pode ser processada ou mudada a gosto.

De uma certa forma, é exatamente como eu imaginava a música com o pós-rock, mas, em outro nível, tem uma certa fraudulência no ar, já que simula o som de uma banda tocando ao vivo. Depois, quando você adiciona tratamentos como compressão e AutoTune, o resultado é algo realmente horrível de escutar.

Em gêneros como hip hop, R&B e dance music, isso não parece importar muito, já que são gêneros antinaturais, dependentes da tecnologia e onde não há sequer a intenção de simular “pessoas tocando juntas num estúdio”.

Como autor e alguém que depende de seus livros e artigos para sobreviver, como você vê a troca de arquivos na Internet?

Bom, é ótimo poder achar aquele disco raro que eu sempre quis. Mas, de maneira geral, a troca de arquivos tem sido muito ruim para a minha apreciação de música. Para uma pessoa como eu, que cresceu numa época em que música custava dinheiro, ter música de graça na internet é como ganhar a chave da maior loja de discos do mundo. O problema é que nosso tempo não é infinito.


Eu adorei seu livro, mas tenho de confessor que me deixou triste, porque o futuro não parece muito promissor. Como a experiência de escrevê-lo te afetou?

Quando comecei, estava perplexo e ansioso pelo estado da música e, embora eu tenha encontrado muitas explicações no caminho, por meio de minha pesquisa e pensamentos sobre o assunto, terminei exatamente como comecei: perplexo e ansioso.

Concluí que há muita coisa legal para ouvir, mas que a maioria envolve, de certa forma, a reinterpretação do passado. Não tenho ouvido coisas que, na época, me pareceram tão novas e radicais quanto “Remain in Light”, do Talking Heads, por exemplo, um disco que, especialmente no segundo lado, parece conter em cada canção uma nova direção para a música.

Tenho acompanhado o lado eletrônico-techno-rave da música, mas a primeira década do século 21 parece ter atingido um ponto em que as pessoas estão experimentando com formas já conhecidas ou criando híbridos ao combinar coisas diferentes da própria história da música eletrônica. Então, tem sido difícil encontrar, hoje, a mesma sensação de novidade absoluta e energia que senti quando ouvi jungle, gabba ou techno minimal nos anos 90.

Eu diria que o futuro não parece muito promissor, embora, muitas vezes, períodos de estagnação sejam prólogos para algum tipo de erupção cultural.

Estou cautelosamente otimista sobre a nova geração de músicos que só conheceram a Internet. No mínimo, estou curioso sobre o que vai acontecer daqui por diante. Me parece que vivemos uma época interessante. A velha maneira analógica de fazer as coisas – a forma como a cultura funcionava – entrou em colapso, mas acho que alguma coisa vai surgir dessas ruínas.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. "Nos últimos dez anos, parece que os gêneros se tornaram quase estáticos, mas, de vez em quando, no meio de tanta coisa banal e mundana, você via o brilho de algo realmente novo. Em R&B, por exemplo, uma vez ou outra você via algo realmente extraordinário como “Umbrella”, da Rihanna, ou “Single Ladies", da Beyoncé."

    e ainda elogia pop-lixo e indie-lixo

    PQP... tem certeza que esse cara é crítico musical?

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