sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Chega de Saudade - João Gilberto

Saudades do João

Nunca havia eu imaginado ter em minha discoteca o vinil "Chega de Saudades", do imenso João Gilberto... e, de repente, encontro essa maravilha na Feira da Música, aqui em Fortaleza. Ele parecia dizer "Sandro me possua..". Eu sei, ele é que sempre me possuiu. Sempre esteve em minha mente e em meu corpo, suas canções sempre foram para mim um ritornelo que se repete ad infinitum nas moléculas de minha vida... Cantarolar João Gilberto dento de um ônibus lotado, sofejar João Gilberto em meio a um Corínthinas e santos,lembrar dos versos musicados de João Gilberto enquanto subo e desço as ladeiras de Olinda durante o carnaval... 

Ontem a noite mesmo fiquei ouvindo sua sonoridade, a voz e o violão do João...


Abaixo segue uma resenha, assinada pro Alexandre Matias, que me pareceu a altura desse momento... traçando uma analogia do "Chega de Saudades" e do João Gilberto com atrajetória dos Beatles, como catalisadoras e produtores de um universo musical únicos que estão constatemente nos rodeando, como astros orbitando nossa galáxia e emitindo sinais dissonantes pro cinco mil autofalantes...


Fico devendo uma foto do álbum, mas é que minha máquina digital está com o André Moura [noso querido Dandré]... 


Sandroca

Obs.: o vinil que consegui é de 1959!!!

Chega de Saudade - João Gilberto



“Mas eles são quatro e cantam em inglês”, ria Tom Jobim no Epílogo do escolástico Chega de Saudade, escrito por Ruy Castro em 1990. Naquele ano, conta o livro, a editora de direitos autorais BMI fez uma pesquisa para saber quais as músicas mais tocadas no mundo e sua “Garota de Ipanema” estava na quinta posição, atrás apenas de quatro canções dos Beatles - daí o motivo do gracejo. A brincadeira procede, mas por mais que “Garota de Ipanema” tenha sida apresentada ao mercado americano no mês seguinte à chegada de John, Paul, George e Ringo aos EUA (tanto a Beatlemania quanto a onda de bossa nova tomaram os Estados Unidos de assalto no primeiro semestre de 1964), ela não teria o mesmo impacto caso o velho maestro não tivesse conhecido João Gilberto.
Não é exagero comparar João Gilberto aos Beatles, pelo contrário. Ambos artistas inventaram o universo musical que habitamos hoje, criando amálgamas sonoros que moldaram os ouvidos da segunda metade do século vinte.
De Liverpool, no norte da Inglaterra, os quatro heróis britânicos ruminaram a música de rádio dos anos 50 (e não apenas o rock’n’roll, mas também soul, standards, doo-wop, rockabilly, country, surf music, folk e R&B) devolvendo-a ao resto do mundo como uma sonoridade sólida, coesa e autoral – que mais tarde o mundo chamaria apenas de “rock”. Sua grande sacada: reduzir todo o instrumental a duas guitarras, baixo e bateria e mesmo assim manter o som cheio e vibrante.
De Juazeiro, no norte da Bahia, nosso herói mascou o rádio dos anos 30 e 40 (e não apenas o samba, mas também jazz, músicas tradicionais, conjuntos vocais, samba-canção, música sertaneja, choro, música de fossa e o batuque) traduzindo-o para o resto do mundo como uma sonoridade igualmente sólida, coesa e autoral – que mais tarde chamaríamos apenas de “bossa nova”. Sua grande sacada: reduzir todo o instrumental apenas para seu violão.
Este é um caso à parte. Enigmático, cheio de acordes dissonantes e inusitados, seu violão reinventava a tradição rítmica brasileira ao atrelá-la à harmonia moderna para sempre. Enquanto a mão esquerda esticava-se para pressionar cordas distantes umas das outras, a direita recolhia-se quase fechada, com o polegar conduzindo o ritmo grave nas cordas mais grossas como um surdo de escola de samba e os outros dedos puxam as cordas mais finas, repetindo o toque do repique. Por cima, a voz.
Que voz. Nem rompantes de divas de jazz, lamentos dramáticos do samba-canção ou cantos bon vivant dos clones de Sinatra. João canta com a intensidade de quem conversa, calmo e sereno, deixando o som vibrar o mínimo possível.
Explorava vazios sonoros como Miles Davis começava a fazer na mesma época, mas não queria introspecção e sim tranqüilidade. Para isso, contou com Jobim na coordenação de seu primeiro disco, Chega de Saudade, quando posicionou estrategicamente as coordenadas de seu novo mapa: seis partes de novos compositores (Lyra, Bôscoli, Jobim, Vinícius), duas de Ary Barroso e uma de Dorival Caymmi, além de um tema quase religioso e duas quase instrumentais.
Os Beatles injetavam juventude, velocidade e brilho a uma cultura popular que descobria, fascinada, os poderes da comunicação global. João veio logo depois, pedindo calma, mas não como um bedel. Com seu violão, ele plantou a semente de uma árvore de silêncio, que se infiltrou no imaginário mundial e acompanha, discreta, a genealogia da música do fim do século. E se hoje não estamos berrando todos uns com os outros, culpe João.

 Texto original, aqui:
http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/2007/12/10/chega-de-saudade-joao-gilberto.htm

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